quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

CURRÍCULO ESCOLAR

CURRÍCULO
por Patricia Alves


            A relação docente/discente deve ser estabelecida através da compreensão e do entendimento entre ambos, para isso, o professor deve ter clareza das suas concepções e das concepções da instituição de ensino para que o processo pedagógico desenvolva-se de maneira coerente, garantindo a qualidade do ensino para os sujeitos que participam e constroem este processo.
            A construção do currículo deve levar em consideração as condições, concepções e a realidade dos sujeitos da escola, que são: professores, funcionários, estudantes e pais ou responsáveis. A elaboração do currículo exige uma intensa reflexão das concepções de sociedade, educação, ciência, aprendizagem, etc., o currículo deve ser elaborado com a consciência de que irá refletir a coerência entre as concepções na instituição escolar visando a emancipação da classe proletária, que é a mais excluída, devido às suas condições técnicas e científicas serem precarizadas em decorrência do sistema capitalista, preconceituoso, opressor, explorador e desigual. O currículo deve ser construído e discutido coletivamente para que seja acessível, considere as necessidades e diferenças entre os sujeitos, para que verdadeiramente o processo de ensino aprendizagem construa e transmita cientificidade, podendo auxiliar na construção práxica de cada educando no rompimento do senso comum e na formação de sujeitos emancipados que auxiliem na transformação crítica da sociedade, pois segundo SEVERINO (1992, p.13), “de um lado a sociedade precisa da ação dos educadores para a concretização de seus fins, de outro, os educadores precisam do dimensionamento político do projeto social para que sua ação tenha real significação enquanto mediação da humanização dos educandos”.
            Podemos entender que o currículo implica num planejamento, tendo-o como uma ação que se desdobra na elaboração de um plano que demanda a produção de um diagnóstico, a proposição de programas e a implementação de projetos visando à concretização do plano.
            A educação, como nos indica PINTO (1994 p. 29-40), é um processo histórico-social de formação humana, a sociedade educa e a educação humaniza; é ela, a educação, que reproduz a sociedade com o objetivo de perpetuá-la, mas também fornece instrumentos para a crítica e a transformação. Portanto, a educação escolar se constitui na mobilização de um conjunto de sujeitos em torno de um projeto comum. Desse modo, demarcar uma determinada forma de planejar o currículo implica em tomar determinados posicionamentos de natureza epistemológica e pedagógica e implica que se tenham clareza quanto aos limites e possibilidades que a dimensão do trabalho coletivo nos impõe. Deve-se ter claro os objetivos que se quer obter, considerando principalmente a unidade entre teoria e prática, que é a articulação do pensamento e ação, a práxis.
            Ainda que consideremos o planejamento curricular como o trabalho pedagógico de natureza coletiva, não significa que planejar coletivamente e agir conforme as decisões do grupo seja tarefa fácil e comum à maioria das escolas, pois o planejamento, tanto no âmbito dos sistemas e redes de ensino, quanto no âmbito da unidade escolar e do ensino tem como princípio norteador a participação, que segundo GOUVEIA et al. (2005 p.35-36) pode ser compreendida em quatro dimensões:
1- processo: ela se constrói através de pequenas ações no cotidiano educacional;
2 - objetivo: para que o processo seja participativo deve ter como fim a participação plena de todos os agentes;
3 - meio: a participação é seu próprio meio, pois constrói-se participando;
4- práxis: a participação é processo e tem como fim a participação plena, entendida como prática de caráter político.
            O planejamento deveria ser “...um instrumento teórico-prático capaz de facilitar a convergência entre o refletir e o agir de indivíduos e grupos sobre um objeto...”, sendo “..uma prática intencionada, na qual têm oportunidade de combinar a experiência com a reflexão.” (FALKEMBACH, 1995, p.136)
            O planejamento educacional está orientado pela ação curricular, que media as relações pedagógicas e é objeto da experiência formativa vivida pelos estudantes. O currículo é, então, um dos elementos articuladores do trabalho pedagógico, pois ele engloba os objetivos educacionais que a escola quer atingir, as experiências educacionais que serão oferecidas para se alcançar esses propósitos, a organização dessas experiências e a constatação pela avaliação de que os objetivos foram alcançados. Podemos considerar também que sua dimensão é mais ampla, já que as decisões sobre o currículo compreendem dimensões culturais, como as relações econômicas, de poder, de classes, de gênero, de etnia, etc, tornando o currículo também como um campo de resistência. Ao se planejar a atividade curricular, torna-se imperativo, portanto, problematizar o modo como as relações de poder e dominação vão sendo institucionalizadas e as possibilidades de se implementar resistência à elas, já que o currículo se compõe pela construção de significados e de valores culturais que estão relacionados à dinâmica de produção do poder na sociedade. O currículo é expressão da prática e da função social da escola, pois baseia-se na cultura escolar consolidada e se articula ao contexto sócio-histórico-cultural mais amplo, com caráter de não neutralidade.
            O currículo da maioria das escolas brasileiras se estrutura em uma grade curricular baseada nas disciplinas que, segundo CRUZ (1999, p.39-62), desenvolvem as características de refletir a estrutura social classista capitalista, e apresenta-se como uma pista única a ser percorrida, por ser um programa predefinido de estudos estruturados de forma lógica, com pré-requisitos necessários, absolutos e eliminatórios, e que tem como base a disciplinarização, a fragmentação, o isolamento, a hierarquização, a gradação, o sequenciamento linear matematicamente organizados dos conhecimentos, tendo como ponto de partida as carências que as pessoas demonstram e não as potencialidades que podem desenvolver, idealizado nas competências que um indivíduo dos anos 50 deveria ter para o mercado de trabalho, além de ter o professor e o conhecimento como pontos centrais do processo pedagógico, reforçando a função da escola como instrumento de controle social, disciplinadora e a serviço do mercado.
            Se pensarmos na escola como instrumento social que valoriza o coletivo e compreendermos que “a escola não é um dever (noção idealista, abstrata), e sim primordialmente um poder (que se decide no plano social)” (PINO, 1992, p.71-72) fica inviável aceitar que o currículo seja disciplinarizado, classista, fragmentado, voltado para o silêncio, a obediência e a atenção concentrada. Aí, necessitamos desenvolver práticas curriculares que correspondam coerentemente à nossas concepções de escola, de educando, de sociedade e de ensino-aprendizagem. A concepção curricular baseada no tema gerador proposta por Paulo Freire é coerente com o conceito de currículo como um processo de construção interativa contínua do conhecimento, pelos sujeitos escolares, em oposição e, às vezes, justaposição, ao conceito de currículo como um fato predefinido que abrange sequências escolares de conhecimentos a serem construídos e memorizados. O currículo baseado em tema gerador tem as dimensões de construção a partir e das relações, não estando nas pessoas isolados nem nas realidades separadas de seu contexto produtor/produzido. O tema gerador está nas múltiplas relações sujeito-mundo, sua constituição é a da compreensão da realidade pelo pensamento-linguagem dos produtores/produzidos pelas interações individual e coletiva com a realidade de sua época, firma-se como instrumento de construção dos processos pessoais e interpessoais de subjetividade porque se funda nas relações de saberes construídos dialogicamente, possibilita o desenvolvimento da construção da consciência histórica do aluno e do professor através do processo de construção de conhecimento que se torna, então, meio e não fim do trabalho escolar e, desmistifica a realidade e desperta o questionamento crítico, a quebra de tabus e conceitos cristalizados e trabalha a dimensão dialética pelo processo continuidade-ruptura, possibilitando que se descubra o novo a partir do velho e se elabore criticamente o saber, a partir do saber e de experiência feito. (CRUZ, 1999, p.39-62)
            O desenvolvimento de currículo baseado em tema gerador necessita da implementação e efetivação de cursos de formação continuada para que os professores desenvolvam um trabalho realmente comprometido com o processo de ensino-aprendizagem e com a transformação social e para que se tenha o cuidado de não se limitar ao conhecimento do educando deve-se partir do conhecido para o desconhecido cientificando e produzindo saberes, a primeira e fundamental condição de desenvolver o tema gerador é o diálogo. Só se pode saber o que o outro sabe, quando se dialoga com ele, pois é através do diálogo que se manifestam opiniões sobre um assunto, ou o que mobiliza a emoção e o afeto. A ação do professor deve ser intencional no sentido de provocar o estudante para a discussão, o tema gerador será melhor e mais rico, quanto mais ligado à vida, à realidade histórica dos alunos.
            Vemos o tema gerador como vantagem curricular por apresentar características de construção social do saber, além de ser provocante, instigador e desafiador. É relacional, é complexo e ajuda a discernir as várias relações e inter-relações que vão constituindo a realidade histórica. Tem como princípio o educando como agente de seu desenvolvimento. Tem como ponto de partida a realidade sócio-histórica do aluno e se vale desse conhecimento para voltar à realidade e compreendê-la cada vez mais, num movimento contínuo, caótico, não linear e espiralado. Organizado a partir do diálogo considerando as disciplinas como dimensões de compreensão da realidade e não como conhecimentos estanques e isolados.

Referências:

CRUZ, C. H. C. Tema gerador como alternativa ao currículo disciplinarizado. In Revista da Educação da AEC, n.111, abr./jun. 1999, p. 29-62.

FALKEMBACH, E. M. F. Planejamento Participativo: uma maneira de pensá-lo e encaminhá-lo com base na escola. In VEIGA, I.P.A. (org.) Projeto Político-Pedagógico da Escola: uma construção possível. 19.ed. São Paulo: Papirus, 1995.

GOUVEIA, A. B. et al. Planejamento e Trabalho Coletivo. In Gestão da Escola Pública. Curitiba: UFPR, 2005.

PINO, A. Escola e Cidadania: apropriação do conhecimento e exercício da cidadania. In MARTINS, J. de S. et al Sociedade Civil. São Paulo: Papirus, 1992, p. 15-25.

PINTO, A. V. Conceito de Educação; Forma e conteúdo da educação e as concepções ingênua e crítica da educação. In PINTO, A.V. Sete lições sobre educação de adultos. São Paulo: Cortez, 1994.

SEVERINO, A. de J. A escola e a construção da cidadania. In MARTINS, J. de S. et al Sociedade Civil. São Paulo: Papirus, 1992, p. 9-14.

2 comentários:

Ana Paula Ruggini Zarpelon disse...

O dialógo é uma das ferramentas essenciais para a educação, aliada ao afeto que deve ser percursor na relação professor-aluno tem-se um poderoso antídoto aos problemas de aprendizagem.

Excelente texto...

Parabéns!

Pati Alves disse...

Você está certíssima, diálogo e afeto é essencial no processo educativo.

Obrigada pelo comentário.